Pedro, as ovelhas e ... os outros animais
(imagem da net)
Voltou a chuva. Com ela, eu
também, não para fustigar chão molhado nem sequer apagar fogos de rescaldo, mas
para refrescar ideias que se intumescem num cenário de misérrima aridez
política.
Pedro não ouve o bulício feroz
dos lobos e vai zurzindo as suas humildes e submissas ovelhas. Nas alcantiladas
rochas dum mundo que parece apenas seu, vai fazendo ouvidos de mercador e não
perscruta os ventos. Estes, de Éolo a Bóreas, trazem-lhe os balidos e clamores
do rebanho, mas não entende. Dos uivos selvagens, nem um decibel lhe entra nos
ouvidos. Dos cães, recebe olhares subservientes e um abanar de caudas.
Aconselha-se com os amigos
errados, e rodeia-se de néscios que sonham auréolas de prestígio e vomitam
caóticas teorias. Acredita que os lobos não perturbarão as suas humildes e
submissas ovelhas.
O pasto encontra-se em mau estado,
mas persiste num pastoreio de terras secas, e num famigerado corte das forragens.
Os bichos aguentarão. Afinal já os seus mestres de pastorícia tinham elogiado a
resistência dos animais. Nas redondezas não havia melhores alimárias. Bastaria
tocar a flauta e a música se encarregaria de ser alimento.
Os dias e noites iam-se diluindo
no gomil do tempo e as mudanças seguiam os ponteiros, inversamente aos do mesmo
tempo. Tudo se revestia de negrume… Pedro não ouvia os ventos, nem os balidos
de dor, nem os famélicos uivos.
Os lobos, pata ante pata,
aproximavam-se e vigiavam a deslumbrante apatia do pegureiro. As ovelhas, com
secura de pasto e já semi-escanzeladas, já não produziam leite quanto bastasse às
crias, quanto mais para satisfazer o pastor. A lã seria de pouca solidez, face à
desnutrição.
Pedro via definhar os bichos, mas
acreditava em melhores dias. Haveria de haver mais pasto, mas, se insuficiente
para todos os bichos, alguns seriam sacrificados. Haveria menos bocas e alguma
carne para alimento. Os seus amigos estavam de acordo e participariam na
comezaina. Os cães de guarda ajudariam, eram fiéis ao pastor.
Sacrificou alguns animais mas o
repasto foi precário e não satisfez amigos e muito menos os cães de guarda. Estes,
prevendo maiores privações face ao falhanço da estratégia do dono, começaram a
mostrar os dentes e a rosnar. Os lobos, apercebendo-se deste raivoso sinal dos
canídeos, já previam o pior e começaram a suster os passos. Algo começava a
estar mal naquelas pastagens. Parece que ninguém se mostrava satisfeito com os
acontecimentos.
Pedro reuniu amigos, apaziguou os
canídeos e prometeu soluções. Era errado que o pasto não cresceria. As ovelhas,
em menor número, haveriam de medrar, nem que tivessem que se alimentar dos
pedregulhos mais moles e da terra em que pasciam. Os lobos não haveriam de
atacar e os cães ficariam mais satisfeitos. Ninguém trairia ninguém. Não
importava o ruído do vento, os sinais da procela haveriam de se dissipar. Esperar-se-iam
melhores dias, pois já os seus mestres o tinham aconselhado a saber esperar.
Pedro, o pegureiro, mai-los cães
e os lobos, continuam na alcantilada montanha. Os ventos continuam a afagar-lhe
o rosto e os ouvidos, mas parece que não lhe deixam sinais nem mensagens. Será
que vai levar a bom termo a sua safra? Será que vai abandonar a sua “torre de
marfim”?
Nas patas do rebanho, nos dentes
dos cães e dos lobos se encontrará, qualquer dia, a resposta. Pedro e amigos
que se cuidem!
Comentários
Pode a mesma realidade ser apreendida de forma tão diferente por gente de boa fé?
Gostei muito de ler quer pela forma, quer pelo conteúdo. Os médicos escrevem bem...
Melhores dias virão. Mas primeiro uma limpeza tem que ser levada a cabo!
Cara UJM, obrigado pelo elogio, mas acho que os médicos, tal como outras classes, escrevem razoavelmente...eu não passo de um escrevedor relativamente modesto, permita-me a humildade.
Felicidades.
É a 1ª, mas não a ultima vez que aqui venho.
Infelizmente, Pedro não lerá a sua bela prosa. Mesmo se lesse, não iria entender que era ele retratado. Falta-lhe inteligência e sensibilidade.
Gostei muito.
Até um dia destes
Maria
De acordo consigo, Pedro não passará nesta viela de palavras, mas não deixarei de o referir sempre que me derem ganas de o fazer. Acho que a sua presença aqui até seria algo de inconveniente e talvez emetizante.
Muitas felicidades, Maria será sempre bem vinda.
Saúde.