Inter-textualizando Bertolt Brecht... mensagem aos mais incautos
Hoje
é um daqueles dias que me apetece recordar Bertolt Brecht, cada vez mais
actual para a ignomínia que vivemos nesta amostra de país. Assim, retomei o seu
poema "INTERTEXTO" e lembrei-me de intercalar entre cada
terceto uma breve divagação pessoal, passo a passo, na expectativa de transmitir alguma
mensagem aos mais incautos.
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso,
Eu não era negro
Mas não me importei com isso,
Eu não era negro
[No
nosso quotidiano, perante milhentos de factos e antifactos, assim nos portamos.
Ninguém se desvitimize só porque tem esta ou aquela coloração… como sabemos, as
manchas aparecem no melhor pano… e qualquer tecido é rasgável, com ou sem
violência.
De que cor são as primeiras vítimas dos selváticos
atropelos de governantes míopes e mentalmente insanes? Obviamente a miopia não
os deixa compreender as cores, seja da pele, da roupa, ou das palavras soltas
com revolta. Apenas vêem a bandeira descolorida do seu partido, o monolitismo
anacrónico das suas ideias, a baça redoma que os rodeia e lhes embota olhar e
raciocínio e, acima de tudo, a mais bela e adorada das suas cores ─ a do
dinheiro. Aprisionaram a cor da verdade e pintaram-na de mentira… só os
covardes fogem à verdade e da verdade.]
(imagem da net)
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
[Será urgente dizimar bocas famintas e quem as
alimenta. A força do trabalho já não basta para satisfazer a voracidade de
políticos maquiavélicos, ávidos de espectáculo sem arena. Basta sentirem o
cheiro da fome e ouvirem as lamentações do sofrimento. Mais um, menos um, que
importa, robotiza-se o homem e humaniza-se o robô. Esprema-se o homem que do
sangue emanarão frutos dourados. Se houver silêncio no massacre, melhor será a
colheita.]
(imagem da net)
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
[Aos resistentes e revoltados que reclamam e bradam
liberdade, oferecem-lhes grades e algemas, para que saibam que o calor que
vitaliza a terra tem senhores e justiceiros, ávidos de divina potestade.
Miséria e miseráveis a verdadeira simbiose que alimenta o vício dos
plutocratas. Afastem-se os malefícios da miséria que poderão inquinar o
prestígio da riqueza.]
(imagem da net)
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
[Mensagem
do contraditório:
Malditos sejam os párias que vivem da caridadezinha
e se arrastam por dormitórios estelares, semeando esterco pelas ruas e vergonha
na dupla face dos políticos. Emigrai bando de espantalhos ambulantes, pois não
passais de odiosa mácula na textura de um país que ruma à perfeição ideal. A
falta do trabalho é uma utopia, pois vós, trabalhadores, não passais de infames
exploradores dos bem intencionados empregadores, quando pretendeis espoliá-los
do excessivo lucro.]
(imagem da net)
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
[A
indiferença e apatia dos homens não só geram mas também têm um nome ─ hecatombe.
O sol
só brilhará se as nuvens negras e revoltadas o deixarem. As cores só brilharão
se existir luz que lhes evidencie os contrastes. Os homens só serão senhores se
tiverem servos, mas apenas serão homens se forem tratados como iguais. Não vale
a pena adular fantoches e bater-lhes palmas, pois as mãos que hoje as batem,
amanhã lançar-lhes-ão pedras de raiva e vingança Nessa altura todos se
importarão comigo, contigo e, imagine-se, até consigo próprio. Todavia… poderá
ser tarde demais!]
Para rematar esta divagação deixarei mais este doce
do mesmo autor:
Há homens
que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam muitos dias, e são muito bons;
Há homens que lutam muitos anos, e são melhores;
Mas há os que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis!
Há outros que lutam muitos dias, e são muito bons;
Há homens que lutam muitos anos, e são melhores;
Mas há os que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis!
Comentários
Quase me permito dizer que este, sim, é um Guião - não o oco Guião da Reforma de Estado do vice-Portas, mas um Guião para uma análise crítica a este desclassificado (des)governo.
Gostei de ler.
Bem haja.
não será um guião, obviamente, mas também não almejaria sê-lo.
Portas nas suas quase 69 (apenas 68... não se esticou por pejo!)ideias balofas, mostrou realmente que depois de tantos cortes nas carnes, pretende reconstruir um novo animal, mas com certeza, se o fizerem (e ontem já era tarde...)sairá um verdadeiro monstro disforme e sem futuro.
O seu último post explica tudo.
Felicidades e saúde