Verdades amargas... tempos perdidos

                                                            (imagem da net)


Remexendo nos meus viciados ebooks, esbarro-me neste espécime, cuja ortografia não molestarei, publicado em 1870:

“VERDADES AMARGAS

ESTUDO POLITICO DEDICADO ÁS CLASSES QUE PENSAM, QUE POSSUEM E QUE TRABALHAM
 
POR:CLAUDIO JOSÉ NUNES

LISBOA

TYPOGRAPHIA DE FRANCISCO XAVIER DE SOUSA & FILHO 26, Rua do Ferregial de Baixo, 26             
*1870*
Ha na vida dos povos alguns momentos em que é honra e proveito o trabalharem todos os cidadãos na redempção da patria commum.
O nosso paiz atravessa uma hora difficil.
De norte a sul, em todos os recantos d'este velho torrão portuguez, o edificio social escaliça e range, como se houvesse caído sobre elle uma d'essas biblicas maldições que imprimiam o cunho de uma irremissivel fatalidade.
As forças vivas do paiz vão esmorecendo n'um deploravel abatimento. Definha o commercio; retrae-se a industria; a agricultura vê seccar os peitos uberrimos.
Sobre os factores da riqueza nacional anda uma athmosphera suffocadora. A intelligencia annuvia-se; o capital adormece; o trabalho espreguiça-se.
O melhor e maior de todos elles, a confiança publica, declina rapidamente para um funestissimo occaso.
Porque?
Porque um povo não vive só do que palpa e do que vê. Transpõe-se o rio; corta-se o monte; povoa-se o estalleiro; fertilisa-se o solo; mas se todo o progresso material fôr automaticamente produzido, sem que o illumine uma faisca d'esse espirito publico, que constitue a alma das grandes nações, tarde ou cedo a ephemera florescencia murchará de encontro ao mais ligeiro attricto.
E assim é.
Quiz Portugal acompanhar a Europa no caminho da civilisação. Poz a estrada aonde era o barranco e o caminho de ferro aonde era a estrada. Estimulou a producção pelo consummo e o consummo pela producção. Fez do credito a alavanca de multiplicadas emprezas. Viveu em vinte annos o que não vivêra n'um seculo. Mas como, no meio d'esse tumultuar de interesses, não quiz ter olhos e coração para o culto das cousas do espirito, vê-se hoje a braços com uma crise angustiosa, nascida em grande parte da relaxação moral em que labora o paiz, debaixo do ponto de vista politico e social.”

                             ***                             
Temos um governo que é encabeçado por ignaras personagens, com boçais atitudes de criadores de gado selvático, habituados a pés quentes e chão mole desde a sua chuchada infância e lambuzada adolescência. Tudo tiveram do bom e melhor, mas redundaram em trapaceiros do conhecimento, teóricos do absurdo e manipuladores de geringonças. Do empanturrado nada que conhecem, apenas aproveitam e persistem na prática do mesmo nada. Jogando as figuras, diremos que nadam em nada, de forma danada.

Quem são as vítimas de tais avantesmas?  
Primeiro que tudo aqueles que não os plantaram nas suas torres de marfim; depois aqueles que se sentiram confiantes e lhes concederam o benefício da dúvida, alguns até seus seguidores e comparsas nas loucas viagens rumo ao abismo. Dos primeiros sinto alguma compaixão, porque neles me incluo e sei o que custa aturar quem não elegemos para amigos ou companheiros; dos segundos, lamento a sua angústia e sofrimento, pela forma como se deixaram seduzir pelo canto das sereias e agora vão libando o cálice de fel.

Que fizeram e fazem os vendedores de falsos sonhos e angariadores de fome e miséria?
Colocaram nos seus tacanhos cérebros auréolas de falsa sapiência, criaram bodes expiatórios entre seus antecessores, apontaram dedos, como armas, a todos que os sombreavam e, cedo, conseguiram virar meio mundo contra outro meio, com teorias neoliberais sobre o peso e contrapeso da dicotomia público/privado. Apenas lhes interessava criar raízes de plutocracia e algumas lianas para se apoiarem no seu futuro egoísmo. Que se lixe o futuro dos outros, que se lixe o povo, que se lixem as futuras eleições, que se lixe o país… só os fortes (entenda-se protegidos) sobreviveriam.
Para uma política de faca e alguidar, conviria cortar muitas cabeças, essencialmente as que estivessem mais à mão de ceifar, sem mexer nos protegidos. Nada de “cismas grisalhos” porque o futuro da sua “grisalhice” estava antecipadamente próximo, sem acrescidos sacrifícios. Aliás não conviria ferir amigos da pia colectiva, que gozavam frutos duma “grisalhice” dourada e antecipada. Que se lixem os vindouros, pois não precisam da juventude total, bastando os protegidos. Outros grisalhos, de menor estirpe, aguentarão até sentirem o fundo das sepulturas, onde levantarão um novo mundo para os jovens regressados da lonjura do seu compulsivo desterro.
Podem crer que gostaria, mais tarde, de ver estas ignaras personagens, actores de um filme de terror e dum luso pesadelo, arrastarem-se em psicopáticos recantos, bêbados e delirantes com a sua doxomania.


Para terminar, gostaria de colher mais um pouco das “verdades amargas”, pensando um pouco na forma como a repetição de factos e anti-factos têm prevalecido através dos tempos. Creio, contudo, que sempre haverá uma salvífica solução, mesmo que construída sobre milhares de cadáveres fabricados pelas maquiavélicas atitudes de ignaras personagens, com boçais atitudes de criadores de gado selvático, habituados a pés quentes e chão mole desde a sua chuchada infância e lambuzada adolescência.

                                                                             (imagem da net)
                         
***                             

"Diga-se a verdade, custe o que custar. Não é com o silencio que se dá rebate a um povo em perigo. Ponha-se o cauterio na ferida, embora as carnes estremeçam com a dor.
O verdadeiro patriotismo não cala nem dissimula; descobre e repara.
E o remedio urge. Um veneno subtil, mescla atroz de apathia, de relaxação e de egoismo, vai-se lentamente infiltrando por quasi todas as camadas da sociedade portugueza e acabará por matal-a, se contra elle não reagir a poderosa triaga de moralisadora e energica acção.
Sem criterio moral não terá o paiz o sentimento de seus direitos e de sua responsabilidade.
Se lhe faltar esse duplo sentimento, faltar-lhe-ha a vontade propria.
Sem vontade propria não ha elementos de boa politica.
Sem boa politica não ha governos estaveis.
Sem estabilidade nos governos não ha confiança publica.
Sem confiança publica não ha grangeio de riquezas.
Sem augmento de riquezas não se avoluma facilmente a receita do estado.
Sem equilibrio no orçamento vai-se direito á ruina.
Ruina que não provém, pois, unicamente de razões physicas occasionaes, mas que tem raiz e tronco na condição moral em que vivemos."

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