Do riso à depressão...lusitano fado

Adoro ler a poesia do Zé Gomes, como chamavam ao poeta militante, José Gomes Ferreira, que em 1931, no intróito do seu livro “Poeta Militante I” já dizia numa belíssima composição que “Viver sempre também cansa.” Gosto imenso da parte em que diz: “Ainda por cima os homens são os homens./ Soluçam, bebem, riem e digerem/ sem imaginação.”

Isto vem a propósito dos recentes números que referem um aumento de 45% no consumo de antidepressivos em Portugal, nos últimos cinco anos. Mais, ainda durante o ano transacto, apenas ultrapassados pelos irlandeses, consumimos cerca de seis milhões de embalagens desses fármacos.
Afinal que raio de vida é esta, a dos portugueses, para, do tão badalado povo alegre e risonho, passar para o mais deprimido e tristonho?
Razões havê-las-á, mas serão múltiplas e discutíveis, no entanto não poderemos deixar escapar as condições sócio-económicas e financeiras, com alto índice de pobreza e miséria, desemprego, fome e outros condicionalismos terceiro-mundistas, por demais conhecidos de todos, mas subvalorizados e até menosprezados pelos sucessivos governantes.
Vivo na minha prática clínica diária, paredes meias com todas estas condições de degradação social que induz tamanho consumo de antidepressivos e muitas vezes outras atitudes que rasam o suicídio e suas tentativas goradas. Falar dos casos é apenas um acto de conhecimento superficial, mas, vivê-los no quotidiano, é um exercício de sofrimento solidário que não permite contemplações nem falta de lucidez.
Acredito que o Povo Português, apesar do sentimento trágico e sebastianista, com laivos de velhos do Restelo, terá, na realidade motivos para comportamentos ansio-depressivos. É triste pertencer-se a uma União Europeia, ter necessidades idênticas aos seus membros globais, partilhar despesas similares, mas usufruir de condições sócio-económicas e financeiras muito piores e de cariz terceiro-mundista. Contudo o que mais custa é ver-se um enorme desnível entre os pobres e os ricos deste país, sem que estes, na sua maioria, tivessem razões para tanta riqueza. Não estamos em tempo de subsídios de comiseração e salários de vergonha europeia, temos é que dar o justo a quem o merece e trabalha, acabando com os ciclópicos lucros de muitas empresas que deveriam procurar servir melhor e explorar menos. Não sou anti-capitalista, mas sou anti-monopólios, pois estes servem para subjugar economicamente um povo, já de si tão maltratado e explorado.
Não se admirem pois que o povo consuma drogas sob forma de ansiolíticos, antidepressivos ou, como muitos deserdados da sociedade que procuram na toxodependência o lenitivo das suas desgraças. Acima de tudo não pensem que os clínicos, psiquiatras ou não, se divertem com prescrições destes fármacos.
O Povo Português ri-se muito, mas não sabe se ri a chorar, ou chora sorrindo às desgraças que o molestam. A verdade é que mitiga as tristezas com antidepressivos ou com ânsias de lento suicídio, essencialmente quando já não acredita na força divina das preces.
Tal como comecei, e apesar de viver continuar a cansar (sempre), vou deixar um poema do mesmo autor, dedicado à Tristeza.

Tu, outra vez, Tristeza
- que vens do frio das lâminas
e abres nas flores
caveiras secas
num gelar de centelhas apagadas.

Tu, outra vez, Tristeza
- que iluminas os olhos de frio,
deste frio de alma
que corre por dentro do sol
num desânimo de lágrimas ocas.

Tu, outra vez, Tristeza
- como se o mundo fosse acabar
e saíssem cá para fora,
das pedras e das árvores,
garras de cinzas...

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