Fragmentos...de factos e anti-factos

Não foi propositadamente que deixei de evocar o dia 25 da Abril e o seu simbolismo, porque na realidade, para qualquer cidadão português que tenha vivido os tempos do Salazarismo, todos os dias são dignos de relembrar a efeméride em questão. Só quem não sentiu os arrepios daqueles tempos, e os horrores da PIDE e correligionários, é que não poderia fazer menção quotidiana aos dias de hoje. Os tempos eram de silêncio obrigatório e falas apenas censuradas e contidas. O monolitismo fascista não admitia sequer os ajuntamentos de pessoas e a liberdade de reunião e expressão, como muitos bem recordarão. Ainda me lembro, pouco tempo antes desse 25 de Abril/74, as vezes que tivemos de encarar a polícia que ocupava os pisos académicos da Faculdade de Medicina (Hospital de S. João), e não nos permitia conversar em grupo, mesmo tratando-se de discussões meramente académicas e clínicas. Quantos paralelos daqueles pavimentos exteriores não ajudei a arrancar e lançar contra esses polícias, que afinal cumpriam mandatos superiores, muitas vezes eles próprios contrafeitos, penso eu. Creio pois que, quem viveu isso e mais ainda os tempos de opressão cultural, com liberdades coarctadas em todas as suas expressões, não poderá jamais esquecer uma data como é o 25 de Abril de 1974. Mas hoje pululam por aí alguns politiqueiros de algibeira que não sabem sequer o que era a censura...quanto mais a opressão e ausência de liberdades. No entanto, alguns pertencem ao rol daqueles que se aproveitaram do pós 25 de Abril e, afilhados e amigos dos detentores do poder político-partidário, acabaram por receber os tais “jobs for the boys”, e por aí vivem, inchados de mordomias, e alheios, muitas vezes, às necessidades dos que contribuíram para o seu imerecido bem-estar.
Saibam ao menos salvaguardar os direitos e liberdades adquiridas por todos nessa data, sempre celebrada, do 25 de Abril de 1974.
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Ontem, na sua primeira investida no debate mensal no Parlamento, o Primeiro-Ministro, José Sócrates, ousou mexer na Justiça do país, lançando algumas medidas que visam descongestionar os Tribunais e “acabar com os bloqueios existentes”, de forma a colocar alguma disciplina em tamanho caos dos nossos tribunais. Não sei se as medidas, na sua globalidade, terão as repercussões ideais e desejadas, mas concerteza vão surtir algum efeito e acabar com a morosidade dos processos e julgamentos, de forma a não prescreverem, por razões autenticamente absurdas, em muitos casos.
Acho meritória a medida de acabar com a renovação automática dos contratos de seguro automóvel, pois eu próprio sei o que isso é, sem culpa formada, quando os agentes se atrasam nas comunicações de mudança de empresa seguradora e esta cai, habilmente, sobre o segurado, sem qualquer culpa do mesmo, que atempadamente fornece os elementos necessários. Aliás creio ser uma medida de coacção a renovação automática, pois sempre entendi que a seguradora deveria contactar previamente o segurado para avaliar do seu desejo de continuar seguro na mesma empresa e nos mesmos moldes. Boa medida, entendo, mas sei que na fase de renovação, se a comunicação falhar e se o acto se arrastar no tempo, muita gente vai andar, temporariamente, sem seguro automóvel, logo deverão ser elaboradas medidas para que tal não suceda por interesse ou desinteresse das próprias seguradoras. Apesar de tal medida acabar com cerca de 12 a 15% da sobrecarga processual dos tribunais, creio que deverão ser tomadas medidas para que não sucedam os referidos atrasos.
Quanto à introdução de processos de injunção para créditos até valores de 15 mil euros, é certo que desviará dos tribunais cerca de 15 mil processos por ano, já que tudo poderá ser resolvido a nível de secretaria. Mas face à forte impossibilidade de contestação, iremos concerteza ver muitos cidadãos a receber condenações quase sem se aperceberem. O tempo e quiçá regulamentação apropriada poderão resolver problemas advenientes desta medida.
Os cheques sem provisão, até aos 150 euros, passarão a não ser criminalizados, enquanto até agora eram até ao valor de 62,50 euros. Claro que esta medida acabará com larga sobrecarga dos tribunais. Basta ver os valores referidos nos primeiros três meses deste ano, em que foram devolvidos 40.000 cheques até 150 euros! No entanto estou mesmo a ver a classe dos comerciantes a exigir à banca o ónus desses valores sem provisão, como já se diz por aí. Podemos ver os oportunistas a servir-se deste facto, mas espero e entendo que também deverá ser regulamentada nova forma de punir os faltosos.
As transgressões e contravenções também passarão a ser consideradas ilícitos administrativos, o que irá diminuir sobremaneira os processos crime, já que tais casos deixarão de ser discutidos em salas de tribunais e tal facto acelerará a aplicação das coimas. Todavia as pessoas vão passar a ter poucas possibilidades de impugnar decisões deste tipo, pois não poderão fazê-lo nos tribunais.
No que concerne à distribuição dos processos pela área residencial do consumidor, crê-se que tal facto favorece este último em detrimento das empresas, e vai concerteza aliviar a excessiva carga de processos em determinados tribunais.
Falou-se ainda da redução das férias judiciais de dois para um mês. Na sua essência estou de acordo, pois como médico e trabalhador de alto risco profissional, sem subsídio de risco ou outro, acho que os juizes não devem ter mais direitos que outros profissionais, também eles com excessiva carga de trabalho, incluindo estudo de processos e elaboração de relatórios que deveriam ser efectuados no local de trabalho e nunca no domicílio do trabalhador. Aliás esta é uma constante em várias áreas profissionais que estão sobrecarregadas no seu local de trabalho, por exigências directivas, mas com necessidade de prolongamento de serviço, gratuito e prejudicial para o trabalhador e sua família, que só poderá ser resolvido no seu domicílio. Isto, tecnicamente poder-se-á chamar um roubo ao trabalhador, já que nada recebe por este trabalho necessário, mas acessório. Nisto o Estado é perito. Portanto, se os juizes tinham o segundo mês de férias para organizar processos e o próximo ano judicial, também os médicos e outros profissionais, pelas mesmas razões, deveriam ter dois meses de férias. Como acréscimo direi que há países em que os profissionais de trabalhos de alto risco e desgaste, como médicos e enfermeiros que trabalham com doentes oncológicos, terminais e outros, têm realmente dois e três meses de férias, mas interpolados, para recuperação de cansaço físico e psíquico. Aqui, as nossas necessidades terceiro-mundistas não o permitem, alé porque se existirem benesses essas serão preferencialmente para a classe política e seus correligionários...enfim, é o país que temos!

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Para não ser maçador nestes meus fragmentos, só queria ainda referir-me à “excelente” governação anterior do Dr. Bagão Félix, que, contrariamente ao que afirmava sobre proteccionismo fiscal, acabou, na sua rápida largada do poder, tão almejado, por fazer uma autêntica borrada, permita-se a expressão, quando emitiu um despacho que adiava para 2010 (quem viesse, que se lixasse) o acerto das dívidas do futebol. Ter atitudes destas para lobbies com a dimensão do nosso mundo futebolístico é, no mínimo, execrável e uma ofensa à miséria e pobreza nacionais.

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E agora para terminar uma breve referência a uma notícia, que já ninguém comentou porque não havia qualquer interesse no já sabido, mas voluntária e convenientemente “ignorado”, facto da CIA ter anunciado, ao fim de dois anos (!...) de intensas pesquisas, que afinal não havia no Iraque armas de destruição maciça. Mas que espanto, só quem não acompanhou essas buscas antes da invasão de Bush-filho é que poderia ter dúvidas. É claro que Saddam era um ditador dos terríveis e um incontestado criminoso para os seus adversários políticos, mas não foi ele, nem é, que alimenta a crescente e imparável espiral de terror que se abateu sobre o Iraque. Foram, isso sim, os interesses (Quais? Obviamente...nada acrescento) de G. W. Bush e seus apaniguados seguidores que criaram o terrorismo onde ele não tinha as feições actuais. Por acaso alguém se lembra de tantos atentados mortíferos no Iraque como os que agora lá sucedem? Antes, Saddam eliminava os seus opositores e o terror era outro, embora também de dimensões assustadoras, mas ninguém olha para o Darfur, o Zimbabwe, o Congo, a China e muitos outros, onde os direitos humanos são palavras inexistentes...mas petróleo também não têm. E terá valido a pena tal invasão? Pensem bem, mas se foi pelo petróleo, que os deuses nos valham porque de vinte dólares o barril já vai acima dos cinquenta! Viva a invasão...abaixo o petróleo...procurem-se energias alternativas nem que sejam para invadir e preocupar outro povo qualquer, que não o americano. Até porque o imperialismo, tal como foi o Maoísmo, não passa de um “tigre de papel”...e o papel arde com muita facilidade, daí que a América, com tantas mortes desnecessárias, já tem ardido bastante...até quando?

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