A educação de Pedro e... a realidade.
(imagem da net)
A educação de Pedro iniciou-se,
quiçá, para lá das corcovas, a sul do Atlas. Foi embrião e nascituro alambazado
de melífluos privilégios. A sua infância decorreu na rebeldia e sonho da savana.
Por motivos familiares regressou às continentais pastagens e tornou-se um
iniciado na aprendizagem do pastoreio onde procurou adquirir conhecimentos, mas
os prazeres desviaram-no para longos devaneios.
Outros pastores, matreiros e demasiado
ocupados na conquista de pecúlio, procuravam, nos encontros fortuitos,
incutir-lhe ideais de boa gestão de rebanhos.
Já moço, enamorou-se duma ovelha e
galantemente trauteava solenes “mémés”, numa doce melopeia de paixão e
narcisismo. Deliciava-se a flautear enquanto outros efectuavam a limpeza dos
bebedouros e aprendiam a fazer arranjos no redil e nas vedações. Para quê a
prática, se uma leitura fugaz dos manuais de teoria lhe iria colmatar a santa
ignorância. Não faltariam outros pastores que lhe tosquiariam as ovelhas e as
ordenhariam. Se fosse para um assado, vá lá, até se daria ao trabalho de
sacrificar, ele mesmo, um dos animais. Encher estômago soa a bela música.
(imagem da net)
Tarde, tardiamente, sentiu novo
apelo de aprendizagem, pois acenaram-lhe com possibilidades de apascentar
noutras paisagens e colher maiores lucros e, acima de tudo, maior prestígio.
Aconselhou-se com alguns veteranos, besuntados de poder e dinheiro fácil.
Inscreveu-se na escola privada, mais a jeito e ao sabor dos seus conselheiros e,
a breve trecho, atingiu os seus objectivos. Já poderia ocupar-se de vários
pastos e lançar-se nas novas técnicas de desenvolvimento pecuário. Os amigos
que calcorrearam idênticos trilhos, procuravam adulá-lo e conceder-lhe algum
preito pela sua importante façanha, mais não fosse, para poderem compartilhar
novas amizades colaterais. Estas poderiam guindá-los a novos posicionamentos na
hierarquia pastoril.
Assim, passou-se o tempo da
flauteada musicalidade e teve que se candidatar a mais altos voos. Afinal os
seus mestres gabaram-lhe abundantes virtudes e parcos defeitos. Ali estava o
verdadeiro pastor! Um homem que bebeu as mais puras e cristalinas águas do
conhecimento de liderança animal e atingiu o apogeu da arte de bem pastorear.
Procurou experiências baseadas na eficácia do “Princípio de Peter” e, cautelosamente e à socapa, introduziu
na contracapa da sua carteira pessoal, um pequeno cartão com o seu novo lema de
trabalho, escrito a letras douradas: "In a hierarchy, every employee tends to rise to his level of incompetence".
Religiosamente
o seguiria, acoplado às novas teorias neoliberais que absorveu na sua escola
privada, à luz dos conselhos de mentes estereotipadas.
Não foi preciso muito tempo e
Pedro guindou-se para além dos limites que tinha previsto. Afinal o seu valor
era imensurável, o seu conhecimento de economia animal e territorial extravasava
sobremaneira tudo quanto era humanamente possível. Bem, um deus não seria ele,
mas poderia talvez equiparar-se, sem quaisquer veleidades, a um autêntico
imperador. Chegou inclusive a pretender mudar o seu lema, num camaleonismo pretensioso,
para : “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificaremos o teu império”.
Fosse como fosse, Pedro chegou
onde pretendia. Subiu na hierarquia pastoril, depois de algumas contendas com
outros pastores que lhe obstaculizaram a marcha triunfante rumo às melhores
pastagens do território.
Não foi custosa a jornada rumo ao
vértice da pirâmide. Bastou prometer mundos e fundos que apesar de impossíveis,
a maioria das suas ovelhas e colegas de profissão, não entenderiam. Utilizaria
anacrónicos silogismos e as conclusões chegariam à feição das suas pretensões e
com refinados retoques de saloia sabedoria.
(imagem da net)
Hoje, Pedro continua na montanha,
nos píncaros da sua estrutura, e teima aguardar os frutos das suas anacrónicas
teorias, algo secundado pelos ditos e escritos de alguns dos seus anquilosados
mestres. Mas os tempos não correm de feição. Afinal as teorias não estão a
surtir eficácia. Parece haver inquinação no sistema, mas a sua relutância, e de
alguns seguidores, levam-no à indiferença, e continua fechado na sua “torre de
marfim”.
Os lobos continuam na expectativa
de satisfazer a sua voracidade. As ovelhas continuam submissas, mas
desconfiadas, face à indiferença do seu amo e ao progressivo definhar do pasto.
Os cães continuam fiéis, mas a parcimónia vai-lhes aguçando a fome e afiando os
dentes.
Pedro, apesar de não escutar a
mensagem do vento que passa, começa a sentir-se, não o alicerce do império, mas
o pântano de futuras desgraças.
Comentários
Acho que ele ia sorrir também, não percebendo a alusão.
Ou, então, levantava-se e saía, ligando de seguir ao Borges, 'aquele tipo é um piegas, escreveu uma história mesmo lamechas' ao que o Borges o tranquilizaria, 'não te rales, Pedro, que o tipo é completamente ignorante'. E ficavam felizes os dois.
Espero que esta história tenha continuação mas que, ao contrário das minhas histórias que tendem a acabar em clima de amor, a sua acabe com a limpeza que se espera!
Saúde e felicidades, dbo!
As torres de marfim caem, as ovelhas tresmalham, os cães, quando têm fome, mordem, os lobos lutam uns com os outros.
E nem sequer a Nini, ou outras cantigas, lhe vão valer.
O pior é que as ovelhas já quase não podem pastar.
Continue a história de Pedro.
Maria
razão para questionar porquê e de que se riem os incautos quando a procela se aproxima. "perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem", diria alguém que nós sabemos. Mas nem tudo pode desaguar na condescendência. Aos "Borges" deste país, desabafamos como Almada: Borges, "morra, pim..." Há pessoas que até nem fazem grande falta... e jeito, ainda menos!
Não sei o rumo desta história, mas realmente penso que irá desembocar numa tragicomédia.
Felicidades, UJM, e muita saúde
acho que seguro não estará, como veremos a breve trecho, mesmo sem ser nesta historieta.
Claro que tudo é efémero, mas muitos ignoram as leis da natureza e parecem viver num mundo de profundo alheamento.O seu narcisismo limita-os, tão somente, à paisagem do seu umbigo.
Muito obrigado pela visita e muitas felicidades e saúde.