O mentiroso...e vozes de burros
(imagem da net)
Hoje não vou falar das actuais
atribulações de Pedro, o pegureiro. As incertezas ainda não lhe afastaram a
quase libidinosa vontade de serigaitar, enquanto beija a sua flauta de Pã.
Vou falar da sua grande
qualidade, cada vez mais notória, da arte de ludíbrio. Zombeteiro sempre foi,
creio que mesmo ao nascer terá escarnecido da arte de bem-nascer.
Já garoto de fralda, zombava do pó
de talco vulgar e exigia esfregação mais cremosa, quiçá “fraldine” ou “lauroderme”.
Quando gatinhava, procurava mais imitar a ferocidade animal que a brandura das
ovelhas. Era quase inata a tendência para a superioridade e sobranceria.
Tirando os seus dotes de
cantadeiro, que haveria mais tarde de aperfeiçoar, sempre primou pela arte da
logração. Mas desconhecia que ninguém enganaria, sem que viesse a ser enganado.
Ainda infante, de sacola às
costas, pegava na fisga e atirava aos pardalitos, mas, por vezes a pedrita
desviava do alvo, quem sabe se por matreirice, e lá acertava num colega.
Queixando-se o maltratado, logo Pedro se defendia: “Foi ele que se meteu à frente!”
Os colegas já sabiam, com dom Pedro, nada de inimizades… tinha poder e fisgas.
Alguns dos penduras até o desculpavam e beneficiavam dumas tainadas no seu
quintalejo, desde que o bajulassem e defendessem. Tornava-se um verdadeiro pastor
e já controlava os que o rodeavam.
Na sua adolescência, manteve o
rumo e inscreveu-se no grupo dos dominadores e seus aprendizes. Conheceu
artilheiros, como ele, já não de fisgas, mas com manuais de “Boa arte de cavalgar e pastorear em toda a selva”.
Frequentou simpósios e
“workshops”, congressos e seminários, para se tornar um verdadeiro manipulador
e dominador das reses. Tudo valia na marcha rumo ao vértice da pirâmide.
Mentiras, seriam acidentes de percurso, formas de sobrevivência, eficácia no
desenrasque. Era necessário dominar os animais, enganando-os com falsas
promessas e desvios de atenção. Importante era o vértice da pirâmide. Dali
poderia, sem tergiversações, vigiar e orientar qualquer rebanho ou manada. Era
um verdadeiro técnico em forma e estava apto, com distinção, a ser empossado
para a gestão de qualquer causa, no mundo da pastorícia.
Assim, entre o trautear dos seus
gorjeios e as mentiras, tão puras como verdades, o nosso Pedro, o pegureiro,
chegou a rei das pradarias e pastagens, depois de muito queimar os neurónios,
na prazenteira “Boa arte de cavalgar e
pastorear em toda a selva”.
(imagem da net)
Contactou e convidou o seu
inseparável amigo Micas, o comparsa de todas as estroinices desde menino, já
moço. Este, já mais habituado às deambulações por píncaros e valados, e às
vozes e berros alheios, ensinar-lhe-ia as técnicas do desprezo, da subjugação e
do desinteresse. Seguiria o lema da “ovelha que berra, bocado que perde”.
Duma coisa lhe ficou a certeza:
atingir o cume da pirâmide, até nem foi difícil. Contudo, agora, naquela
montanha onde apascentava o seu rebanho, perante a bruma dos tempos, ficava-lhe
uma incerteza: “como poderei manter-me, sem cair, no cume da pirâmide?”
Consultado, o Micas, impado e do
alto da sua sábia ignorância, logo lhe disse: “ó pá, afronta os animais,
espezinha-os, engana-os… como bem sabes”. Pedro, atento, mas absorto,
limitou-se a grunhir: “Hum! Isso mesmo!
Claro que não ouvindo a voz do
vento, nem a inquietação dos animais, a incerteza de Pedro não teria resposta. Vozes
de burro seriam melhor conselheiro!
Comentários
Espezinhados! Abanem a pirâmide, já!
Maria
Obrigado pelo incentivo pois parece que a ouviram. Um vértice basal e insular já abanou e também os sacudiu com veemência... a partir de hoje talvez novos abanões vão surgindo na base da pirâmide. Oxalá Pedro caia mas fique obnubilado por tempo incerto.
Muita saúde, Maria.