Coisas antigas...Relembrar-2
(imagem da net)
Mais uma vez remexi nas cinzas do meu passado e vou transcrever um modesto escrito publicado "in illo tempore". Depois trancreverei também, um (proto)poema desses meus irreverentes tempos.
Hoje, talvez mais que nunca, urge
perguntar a cada cidadão que cruzamos, se entende o que seja um país real.
Antes de acreditar nele, terá de entendê-lo, pois só se pode crer no que se
compreende, de contrário será encher sacos com vento.
Não iremos talvez explicar-lhe,
em conceitos profundos e metafísicos, o que seja o país real. Claro que não
entenderia a complexa terminologia. Falar-lhe-íamos simplesmente dum país que
não seja aquela entidade abstracta com tabuletas ferruginosas de «Estado» ou
«Nação», mas algo que tenha substracto e significado para um povo que haverá de
ser ele próprio esse país. Um país sem algemas na consciência dos seus
cidadãos, mas também sem oceanos de inconsciência. Um país que se identifique
com um povo acordado para as realidades quotidianas, e não viva a sonhar,
especado em poltronas de faustosos gabinetes ou deambulando por ruas e praças,
estátuas entre estátuas. Um país que tenha plena consciência do que quer,
porque quer, para onde vai e porque vai. Em suma, um país de homens conscientes
do verdadeiro conteúdo da moral cívica e realmente cumpridores.
Queria aqui citar um autor ─ Alberto Ferreira
─ na sua obra «Diário de Édipo», que por casualidade foi escrita e editada
antes do 25 de Abril:
«Avento a hipótese seguinte:
a grande maioria dos homens e mulheres deste nosso país desconhece a nação
real, a comunidade autêntica, o condicionalismo da sua história e do seu viver.
Acredito, porém, que haja uma minoria esclarecida, mais atenta às realidades,
mais dirigida ao futuro e, por isso mesmo, mais bem apetrechada para auscultar
as palpitações do presente. Temos, bem
sei, uma explicação sociológica para o facto ─ o que não elimina o próprio
facto».
Mais adiante diz aos concidadãos:
« Sois o peso morto. Não tendes um partido, uma ambição patriótica esclarecida,
um programa humanístico para os vossos filhos, e quem diz para os vossos filhos
diz para a comunidade onde nasceste e onde pretendeis morrer. O mal parece-me
ser esse: vegetar e morrer. Não quereis sobreviver, ao menos?
…Aderes a uma dezena de
estéticas, simpatizas com algumas centenas de éticas, admites filosofias a
rodos. Ou, o que é pior, não sabes qual é a tua moral, a tua estética, a tua
concepção do mundo e da vida».
Em conclusão, tudo isto para
comprovar que esse homem que vegeta e morre, está condenado à absoluta
falência, a pertencer a uma classe que ingloriamente sustenta outras classes.
Já fala de tudo, desde existencialismos a marxismos, mas não deixa de sofrer de
psitacismo, sem saber o diagnóstico da enfermidade.
(In Jornal das Aves, 08/11/1975)
Tu irmão
Tu, irmão,
que te sentas à mesa do café
e que, em vão,
magicas coisas fúteis, perde a fé
dum mundo melhor.
Tu, irmão,
já pensaste que tudo isto é rotina
e que, em vão,
poderemos suster esta bolina
com que o mundo gira?
Tu, irmão,
julgas que mudará este frenético
ritmo? Não…
Não mudará, que o mundo vive céptico
quanto ao seu futuro!
Tu, irmão,
procura a perfeição da tua vida.
Nunca, em vão,
procures defender causas perdidas!
Finge, ao menos, que ajudas!...
(20/04/74 in “Jornal das Aves”)
Comentários
Uns dias antes do 25 de Abril de 74, havia cepticismo e descrença nas suas poéticas palavras.
Em Novembro de 75 questionava-se sobre os 'valores' nos quais a sociedade avançava a lento ritmo.
E os anos passam e a descrença não passa. Pelo contrário, parece que caminhamos, de novo, para os tempos da não-esperança.
Gostei de ler os seus apontamentos.
Uma boa noite, DBO!
O falecimento recente da minha mãe transtornou-me um pouco as voltas e alheei-me um pouco destas andanças. Ela já era acamada e tinha quase 84 anos, mas foi algo inesperado... e mãe é sempre mãe, como sabe.
Na realidade eu sempre fui um pouco céptico e descrente, como bem observou, e acho que não mudei muito, nem vislumbro razões para mudança, tamanhas são as desgraças.
Espero, a pouca distância dos meus 60 anos, manter a rebeldia que sempre me caracterizou...quem se habituou a lutar desde garoto não esquece a forma de caçar os pardais à fisgada nem a de chamar a boiada com assobios e gritos.
Boas férias para si e muita saúde.