Efemérides



No passado dia 19/01/05 completou 82 anos o poeta Eugénio de Andrade, (José Fontinha, de seu nome) nascido na Póvoa da Atalaia, Fundão. Não queria deixar passar a recente efeméride, de um homem que não se misturou com grupos ou tertúlias sonantes, nem se emiscuíu em movimentos de estilo colectivo, deixando-se na sua natural simplicidade embalar apenas na cristalina doçura das palavras que sempre tão bem esmerilou. Em sua homenagem vou deixar aqui uma bela prosa poética que deixou escrita na “MEMÓRIA DOUTRO RIO”:

ENQUANTO ESCREVIA

Enquanto escrevia, uma árvore começou a penetrar-me lentamente a mão direita. A noite chegava com esses antiquíssimos mantos; a árvore ia crescendo, escolhendo para domínio as águas mais espessas do meu corpo. Era realmente eu, este homem sem desejos de outro corpo estendido ao lado? Já não me lembro, passava os dias a dormir à sombra daquela árvore, era o último verão. Às vezes sentia passar o vento, e pedia apenas uma pátria, uma pátria pequena e limpa como a palma da mão. Isso pedia; como se tivesse sede.



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Estamos também a viver o centenário do eternamente relembrado Rafael Bordalo Pinheiro, filho e irmão doutros artistas, um verdadeiro crítico de costumes que caricaturou o Povo português duma forma original e humorada que prevalecerá para sempre na nossa e na memória dos tempos.
Hoje, como alguém disse, seria bastante difícil aplicar-se a mordacidade que ele utilizou contra personalidades da época sem ter de se haver com frequentes processos judiciais. Naquele tempo era admirado e aqueles que satirizava acabavam por negligenciar o facto e até se tornavam seus amigos. Entendiam, muitos deles, que, eram um verdadeiro elogio, as sátiras que lhes dedicava, pois só caricaturava pessoas importantes e dignas de reparo.

Quem não conhece as suas representações do “Zé Povinho”, que bem satirizou o comodismo, parolice e ingenuidade do nosso povo, à data com muitíssimo menor índice de literacia. Recordo, na minha aldeia, em tascas manhosas e prolíferas, aquela imagem do “Zé Povinho” a fazer manguito, acoplado a um ditado de grande interesse para o tasqueiro: “Queres fiado? Toma”. É claro que nessa minha meninice, nem sequer me passaria pela ideia que tal imagem fosse um ícone satírico, à portuguesa, e de autoria de tal artista e caricaturista. Hoje muitas das suas sátiras continuam vivas e aplicáveis à actual realidade, e até, sem menosprezo para os nossos bons cartoonistas e caricaturistas, gostaria de ver como representaria ele o nosso actual primeiro ministro e outros “cromos” nacionais, desde a política ao jet-set plástico, desde o desporto ao estereotipado mundo artístico. Seria de rir desbragadadamente...mas não faltariam os tais processos e queixas judiciais, hoje levantados por tudo e por nada, para bem de muitos advogados quase desempregados, mas para retardo (voluntário?) de importantes processos que jazem em gavetas e amontoados de papel velho, autêntico repasto de ácaros e sedimento de poeiras.

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